Essa noite eu não dormi pensando em Neil Perry
Uma história de insônia, um filme antigo e, bom, a vida.
Primeiro quero começar esse post dizendo que eu não faço ideia do que eu tô fazendo aqui nesse site, mas ouvi dizer que é um bom lugar para colocar meu trabalho para fora - principalmente enquanto escrevo meu primeiro livro.
Tendo isso em mente, chega de falar sobre mim.
Que “Sociedade dos Poetas Mortos” marca a vida de quem arrisca dar o play no que acredita ser um despretensioso filme estrelado por Robin Williams, todo mundo já sabe. E se você nunca assistiu esse filme…
Em que mundo você vive??? Vá imediatamente para a frente da TV.
O que mais me marca no filme é o retrato de como somos criados para pensar com base no pensamento dos outros, mas nunca nos ensinam como pensar de verdade.
Eu me vi muito em Neil. Seja pelo desespero em tentar impressionar aqueles que pensam de forma quadrada ou até mesmo pela paixão fervorosa uma vez que descobriu o que queria fazer para o resto da vida.
Todas as vezes que penso sobre esse filme, tento encontrar um final diferente para Neil - eu sempre falho.
Para que esse seja um texto inclusivo aos que não viram o filme, me vejo na obrigação de explicar que Neil acaba com a sua própria vida. E isso não teria acontecido se Professor Keating (a quem a partir de agora vou me referir como Captain) não tivesse entrado em sua vida.
Não é bem isso, na verdade, mas você vai me entender se continuar comigo até o final desse texto. Até porque eu ainda preciso te falar sobre a insônia terrível que tive ontem depois de ter visto o filme.
Tenho certeza que todo bom professor um dia sonhou em encantar como Captain encantou sua turma, e que turma exigente… Branquinhos riquinhos filhos de homens que com certeza lutam contra um complexo de deus. Existe plateia mais difícil?
Esses meninos que até então tinham sido criados para o mercado tradicional, desprezavam as belas artes e já sabiam que seu futuro guardava uma boa faculdade, uma carreira como médico, advogado ou engenheiro, um casamento com uma bela mulher e alguns filhos. E só. Porque foi só até esse ponto que lhes foi ensinado.
Neil era como eles, mas não exatamente. Ele não vinha de uma família rica e seu pai sempre fez questão de falar que nunca tivera as mesmas oportunidades que dá ao menino. Que peso, né?!
Neil tinha notas excelentes, mas era vazio.
Na primeira aula conduzida por Captain, é possível ver em seu olhar como aquela experiencia estava mudando alguma coisa dentro dele.
Vou economizar minhas palavras e focar a história nele, mas queria fazer uma menção honrosa ao Todd, que era um grande medroso que vivia na sombra dos irmãos e acaba se tornando um grande aliado a Neil na busca daquilo que faltava.
Quando é que uma aula de poesia poderia encantar aqueles meninos que seguiam tão ferozmente o caminho de se tornarem quadrados?
Pois é. Ninguém imaginava, mas Captain conseguiu. E logo na primeira aula Neil foi impactado.
No fundo, eu sei exatamente o que Neil sentiu. Eu já senti. A descoberta de um novo mundo, de uma possibilidade que nunca havia pairado pela sua mente e que de repente fizera tudo se encaixar. Todas as angustias do passado então começaram a fazer sentido, seu vazio foi enfim explicado.
Ele não nasceu para ser aquilo que acreditava ser sua única opção. Ele descobriu que nasceu para mais. Para algo diferente. E que o diferente existia sim.
Subiram então na mesa do professor, como uma metáfora, claro, porque naquele momento ainda estavam pensando como outra pessoa e a descoberta desse feito, para Neil, foi que ele não precisava seguir o pensamento de seu pai. Sempre existe uma outra forma de enxergas as coisas. E Neil enxergava seu futuro diferente de seu pai.
E eu sei que disse que considero Captain o culpado pela morte de Neil, prometo que no final você vai me entender.
Neil descobriu que podia ser diferente e então um mundo de possibilidades se abriu em sua vida. Engajado em experimentar de tudo para que esse vazio suma, Neil começou a Sociedade dos Poetas Mortos - que grande ironia, não é? - e não levou muito tempo para ele perceber o que queria ser.
Queria ser ator.
O que mais me dói é que o dia mais feliz da sua vida foi também o último.
Depois de estrelar sua primeira peça, depois de ouvir que ele tinha o dom, depois de se sentir finalmente completo…
Seu pai o revela que nunca mais subirá num palco. Nunca mais voltará para aquela escola. Sua vida será escola militar, depois Harvard para se tornar medico. Mais 10 anos de prisão.
Neil, com a ideia de Carpe Diem apresentada por Captain na primeira aula, sentiu seu vazio crescer.
Sua vida virara uma condenação. A falta de oportunidade dada ao seu pai fez com que Neil fosse sufocado por uma frustração da qual ele não tem nada a ver… E é claro, se ele fosse ainda o Neil de antes do Captain, ele seguiria essa estrada planejada por seu pai e quem garante que no final das contas seus filhos não colhessem também os resultados de suas frustrações?
A vida já tinha sido tirada de Neil. E o Neil de antes do Captain não percebia, porque sempre fora vazio…
Mas… ele se completou, ele entendeu por que nasceu…
Ele sentiu a energia de viver e quando subiu no palco e brilhou, ali soube que a vida valia a pena. E tudo isso acabou depois de ouvir de seu pai o plano de vida já desenhado e que deveria ser seguido rigorosamente, caso contrário… não tem nem caso contrário. Era esse o plano e ponto.
Ali, seu pai tirou a sua vida da forma mais parental possível - achando que era aquilo que ele precisava para ser um homem útil para a sociedade se manter funcionando. Porque de alguma forma foi o que ele mesmo desejou quando calçava os sapatos de Neil.
Neil então tirou sua vida, porque na verdade doeria demais não viver mesmo estando vivo. No dia em que mais viveu sua verdade, Neil decide aniquilar seu futuro, porque nele não existe mais nada de vida.
“Para aniquilar tudo o que não era vida e para quando morrer, não descobrir que não vivi.” - Thoreau.
Eu particularmente tentei várias vezes calcular tudo que Neil pudesse fazer de diferente para viver sua verdade, sua vida, sua vontade… mas nunca chego num caminho diferente.
É ai que minha insônia começou.
Se Captain não tivesse aparecido na vida de Neil, ele teria seguido o caminho já desenhado por seu pai.
Mas se Captain não tivesse aparecido na vida de Neil, ele nunca teria vivido.
Por menor que seja o tempo de uma peça, Neil viveu.
“É melhor ter tido algo bom e perdê-lo do que nunca ter tido” - Dickens.
O pai de Neil tinha as melhores intenções, queria ver o garoto como um grande homem e achava que Neil devia isso a ele, porque não tivera as mesmas oportunidades.
Se era oportunidades que ele queria dar ao garoto, pois deveria ter dado de tudo para garantir que Neil não se tornasse um velho frustrado como o pai.
A morte de Neil me fez pensar muito. E eu refleti no meu caminho, na minha jornada até aqui.
Um dia eu fui como Neil de antes do Captain, eu acreditava que seguir uma carreira quadrada era o melhor para mim, porque eu tinha medo de pensar sozinha. E seguia o caminho que rascunhara uma vez com meus pais…
Foi numa conversa na praça de alimentação de um shopping lotado que eu ouvi minha mãe dizer que precisava decidir se aguentaria mais 3 anos daquele sofrimento ou se largaria a minha primeira faculdade.
Um pouco de contexto para você: eu tinha acabado de sair de uma prova de cálculo 2 na qual tinha sentido todos os tipos de calafrios existentes.
Minha mãe tinha me dado a escolha, mas naquela época eu preferia que ela tivesse sido como o pai de Neil e me imposto algo. Oh Céus, eu não sabia pensar. Eu não sabia decidir.
Num momento de coragem, decidi largar. E bom, que bom que eu tive essa coragem. Porque caso contrário, não teria vivido tudo que eu vivi.
É claro que em nada se compara a minha história com Neil, mas gosto de pensar que de alguma forma eu me libertei como Captain sempre disse para os alunos fazerem.
Nos 128 minutos de filme me senti aluna e quando todos sobem em suas próprias cadeiras e prestam um agradecimento ao Captain, uma torneira se abriu nos meu olhos e tudo faz sentido: o risco de pensar por si mesmo é descobrir todo o vazio que existe e o medo de nunca conseguir preencher.
Captain foi um herói para a jornada daqueles meninos. Captain foi o motivo pelo qual Neil realmente viveu uma vez em sua vida. Captain foi o motivo pelo qual Neil morreu. Captain, ou aquilo que ele representa, foi o motivo por eu ter largado tudo que larguei no meio.
Para muitos parece que há algo de errado em não terminar as coisas. Para mim significa liberdade de desejar até não desejar mais, fazer enquanto me faz sentir viva.
Vale a vida vivida fora de um sonho?
Nunca.
Viver sem buscar um sonho é viver em vão.
Eu entendo Neil, ele não queria viver em vão.
A nossa existência é rara demais para desperdiçar com o ordinário.
Diferente de Neil, você pode ser livre. Viver na nossa época tem essa vantagem.
Se desprenda de tudo aquilo que te puxa para baixo, se solte de tudo que impede você de viver a vida rara.
E aproveite… Aproveite o dia.
Nunca é tarde para descobrir o que preenche o seu vazio, nunca é tarde para começar aquilo que você sempre soube que te preenchia. Nunca é tarde para desistir de tudo aquilo que não te faz sentir vivo.
VIVA.
Por hoje é isso.
Isabela Boesso Venâncio.
Eu pude sentir cada vírgula e letra do seu texto repleta de emoção, obrigada por publicar algo tão fascinante!!!, esse é o meu filme preferido pq deixou uma marca em mim incapaz de ser apagada, eu vou levar Neil para o meu túmulo, assim como ele levou o meu coração para o dele...
" quando a morte chegar eu espero que ela me encontre vivo"
que escrita maravilhosa! senti sua emoção daqui, traduziu o filme bem demais 💗